POR SERGIO DENICOLI

Por Sergio Denicoli – Há duas semanas o assunto queridinho do momento, que gerou memes e muitos debates, dizia respeito à expectativa criada pelo governo de que a China estava pronta para “rasgar o Brasil com ferrovias”.

A frase foi dita pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e bastou isso para que o país passasse a comentar uma ideia grandiosa, mas que parece seguir uma lógica de quebra-cabeças, com peças que não se encaixam.

A ministra revelou que há um desejo político, o que seria um bom começo se houvesse projeto, cronograma e acordo para ser assinado.

Não existe um plano detalhado sobre onde passariam esses ambicionados trilhos, quem financiaria as obras ou quais regiões seriam beneficiadas.

A frase de Tebet caiu no gosto do público porque traduz um desejo legítimo. O Brasil quer ferrovias, e precisa delas.

A malha ferroviária brasileira atual possui apenas 30 mil quilômetros de extensão, muito distante da rodoviária, que possui 1,7 milhão de quilômetros.

Está concentrada no Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste. A estrutura é operada, em sua maioria, por concessionárias privadas e voltada ao transporte de cargas pesadas e de baixo valor agregado.

Minério de ferro representa mais da metade do volume que circula. Produtos agrícolas como soja, milho e açúcar também são cargas frequentes, mas o transporte de passageiros é quase inexistente.

Nos últimos anos, alguns grandes projetos tentaram alterar um pouco o cenário, mas sempre de forma isolada, sem o pensamento de uma real rede de conexões por trilhos, que incluísse também as pessoas.

A FIOL – Ferrovia de Integração Oeste-Leste é um deles. Prevista para ligar Caetité à cidade portuária de Ilhéus, na Bahia, consolidaria um corredor estratégico para o escoamento de grãos do interior ao litoral.

Mas, embora o trecho inicial esteja em construção, os demais ainda dependem de estudos e não têm previsão clara de conclusão.

A Ferrogrão, projetada para conectar o norte do Mato Grosso ao porto de Miritituba, no Pará, está travada por disputas judiciais e preocupações ambientais.

Já a Transnordestina, prometida desde o início dos anos 2000, segue como um exemplo crônico de atraso. As obras se arrastam há quase duas décadas sem que a ferrovia esteja efetivamente pronta.

Também está prevista a FICO – Ferrovia de Integração Centro-Oeste, que pretende ligar Mara Rosa, em Goiás, a Água Boa, no Mato Grosso.

É vista como alternativa para desafogar a BR-158 e conectar a produção agrícola à Ferrovia Norte-Sul, mas avança devagar, quase parando.

Como pano de fundo, ainda há o ambicioso projeto da Ferrovia Transoceânica, que ligaria o Brasil ao Pacífico, atravessando a América do Sul. Um sonho cheio de entraves ainda por serem resolvidos.

Portanto, as ferrovias continuam sendo fundamentais para o desenvolvimento logístico do Brasil, mas os avanços concretos seguem muito aquém do que o país precisa.

O que se vê é uma coleção de trechos independentes, operando por interesses distintos, sem conexão entre si. Fica claro que, além de simplesmente buscar as parcerias com o setor privado, o Estado deveria imprimir uma lógica ampla para o transporte ferroviário.

O sonho expresso pela Ministra do Planejamento virou manchete e estimulou a produção de conteúdo nas redes porque oferece uma imagem forte.

Um país rasgado por ferrovias é um país moderno, mais conectado, mais concorrencial e menos desigual. Mas nada disso acontecerá se governo e Congresso continuarem se ocupando de disputas vazias e distrações políticas que não interessam de fato às pessoas.

O Brasil vive anunciando o futuro, mas tropeça sempre na mesma falta de rumo, sem que as gestões federais planejem adequadamente o país que dizem querer construir.

Assim, não surpreende que se discuta algo há tantas décadas, com tão pouca evolução, afinal, quem não sabe exatamente para onde vai, não chega em lugar algum.

Por Sergio Denicoli 

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