LISBOA – AGENCIA CONGRESSO – Por Luiz Piauhylino Filho – Este não é um artigo sobre falta de dinheiro. É sobre o excesso de dinheiro represado e a escolha política de não o utilizar.
Enquanto escolas públicas sequer têm acesso à internet banda larga e universidades federais canibalizam seus próprios orçamentos para sobreviver, o Brasil mantém dois cofres abarrotados de dinheiro público que falham em servir ao povo:
O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e o Fundo Social do Pré-Sal (FSP).
Criados sob a promessa de reduzir a desigualdade e financiar o futuro, ambos arrecadaram cifras colossais.
No entanto, na prática, tornaram-se pouco mais que instrumentos de contabilidade criativa para o Tesouro Nacional.
A realidade é um escárnio: quase nada do que se arrecadou foi aplicado nos objetivos originais. O FUST: R$ 30 Bilhões Sequestrados do Futuro Digital.
O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) nasceu, em 2001, com uma missão que parecia revolucionária: usar uma taxa paga pelos consumidores para corrigir o “apartheid digital” do país.
A lei era clara: o dinheiro deveria financiar a infraestrutura de conexão em áreas negligenciadas pelo mercado.
O foco estava em levar internet e telefonia a escolas públicas (rurais e urbanas), postos de saúde, hospitais, bibliotecas e pequenas comunidades isoladas, garantindo que o desenvolvimento tecnológico não deixasse milhões de brasileiros para trás.
Desde sua criação, o FUST acumulou cerca de R$ 30,9 bilhões. Na prática, esse dinheiro foi sequestrado.
Durante quase vinte anos, permaneceu “contingenciado” — um eufemismo para desvio de finalidade — sendo usado pelo Tesouro para compor o superávit primário. Não é inépcia; é política fiscal.
O Tribunal de Contas da União (TCU) já apontou que, até 2015, míseros 1,2% do total haviam sido usados para seu propósito real.
A recente liberação de R$ 2,5 bilhões a partir de 2023, após pressão extrema da sociedade civil, é um avanço cosmético, quase um insulto diante das duas décadas de potencial desperdiçado.
Se o FUST tivesse sido usado como manda a lei, o Brasil poderia ter hoje todas as suas escolas conectadas. O país escolheu não tê-las.
O Pré-Sal: A Riqueza Que Paga o Passado, e Não o Futuro. A história se repete de forma ainda mais escandalosa. O Fundo Social do Pré-Sal (FSP), criado em 2010, arrecadou mais de R$ 146 bilhões até 2024.
Estima-se que o FSP arrecade, até 2032, R$ 968 bilhões! Este fundo foi vendido à sociedade como a “poupança do futuro”.
A lógica era irretocável: a riqueza do petróleo é finita e não renovável; portanto, os lucros extraordinários da exploração deveriam ser convertidos em um legado permanente.
O FSP foi desenhado para ser um fundo soberano social, direcionando bilhões para áreas estratégicas: 50% para a educação (com foco na educação básica) e o restante dividido entre ciência e tecnologia, saúde, cultura e meio ambiente.
Era, em tese, o passaporte do Brasil para um futuro menos desigual, financiado pela própria riqueza natural. Mas o sonho de um fundo soberano social foi triturado pela lógica do ajuste fiscal.
Entre 2021 e 2022, o governo utilizou R$ 64 bilhões — quase metade do acumulado — não para construir o futuro, mas para amortizar a dívida pública.
Na prática: o Estado usou a riqueza que deveria educar a próxima geração para pagar as contas de gerações passadas. Dos valores restantes, ciência, saúde e meio ambiente receberam migalhas.
O saldo que ainda repousa no Tesouro, cerca de R$ 18 a R$ 20 bilhões, rende juros para o próprio governo, enquanto laboratórios fecham as portas e universidades federais imploram por verbas. É a financeirização do futuro da nação.
Diagnóstico: A Submissão do Social à Ditadura do Superávit FUST e FSP são sintomas de uma disfunção crônica: a submissão do investimento social estratégico à ditadura do superávit primário.
Não se trata de “incapacidade” do Estado; trata-se de uma escolha deliberada de prioridades. É a lógica da contabilidade fria, onde o número serve ao balanço fiscal, jamais ao cidadão.
O resultado é um país que se orgulha de suas reservas financeiras enquanto condena milhões à exclusão digital e cientistas à irrelevância.
Enquanto bilhões dormem nas contas do Tesouro, professores improvisam aulas com seus próprios celulares.
O Custo Invisível: O Futuro Que Perdemos. O custo desse desvio não é apenas financeiro; é estratégico. O que o Brasil perdeu não foram R$ 180 bilhões. O que o Brasil perdeu foi o impacto que esse dinheiro teria gerado:
Por exemplo; 200 mil escolas conectadas e digitalmente equipadas; Milhares de hospitais integrados por telemedicina; Redes de pesquisa científica de ponta e sustentáveis; Centenas de milhares de empregos de alta qualificação.
Em vez disso, o país coleciona duas décadas de frustração — um hiato obsceno entre a arrecadação e a ação.
Não basta mais pedir “transparência” ou “reformulação da governança”. Esses fundos já nasceram com propósitos claros que foram, ano após ano, deliberadamente ignorados por sucessivos governos.
A “blindagem” contra contingenciamentos, que parece uma solução técnica, é, na verdade, a batalha política central que a sociedade tem perdido. Os políticos preferem manter esses fundos como um “colchão” para o teto de gastos ou para a meta fiscal, em vez de permitir que cumpram suas missões.
O FUST e o FSP não são caixas de reserva do Tesouro. São promessas traídas. E enquanto não houver custo político real para o gestor que desvia esses recursos, ambos continuarão sendo apenas símbolos de um paradoxo cruel: um Estado que arrecada como potência, mas investe como colônia.
Luiz Piauhylino Filho é advogado brasileiro radicado em Portugal

































